domingo, 23 de novembro de 2008

Corrente do dia: Aleatoriedades

O Pop Dices deu a deixa para eu participar de uma dessas correntes de posts entre os diversos blogs de RPG que andam se conectando.

Pode parecer um exercício bobo, mas serve para mostrar a capacidade de articulação dos envolvidos. Foi treinando esse tipo de movimento aparentemente sem sentido que os blogs aprenderam a se mobilizar para as blogagens políticas e os ativismos digitais que pipocam por aí.

As regras da brincadeira:

1 - Linque quem te convidou para a brincadeira. Dessa forma podemos rastrear os posts e conhecer todos os participantes;
2 - Copie essas regras no seu blog;
3 - Escreva 6 coisas aleatórias sobre você;
4 - Convide mais 6 blogueiros para participar;
5 - Avise os convidados que eles estão participando (ótima oportunidade para trazer blogs novos para a brincadeira);
6 - Avise a quem te convidou que a tarefa foi cumprida.

Minhas aleatoriedades:

1 - Eu professo uma religião maluca e levo isso realmente a sério. Sou adepto do Sincronicismo e meu foco oratório é a Liga da Justiça.

2 - Sim, você entendeu direito. Eu faço as minhas orações para o Batman, Super Homem, Mulher Maravilha, Flash e afins. Eu tenho um altar para eles.

3 - Jim Henson (criador do Muppets) é um gênio. Eu já assisti praticamente tudo que ele fez/produziu/dirigiu (inclusive o que nunca passou no Brasil) e leio livros sobre o trabalho e as técnicas dele. Meu sonho é ser ator de manipulação de bonecos, ou titereiro. Para mim, ele é o maior pedagogo da história e se tivesse filhos os criaria sob sua moral.

4 - Eu ouço música o dia inteiro e o tempo todo. Não gosto do termo eclético. Para mim, quem se diz eclético é quem não reflete sobre o que anda ouvindo. Minhas bandas favoritas são Einstuerzende Neubauten, Squirrel Nut Zippers e Morphine.

5 - Minha relação com RPG é de vício semiótico. Embora a maior parte dos RPGs sejam escritos de uma forma pobre e tosca, a semiologia dos textos ativa as químicas de prazer do meu cérebro.

6 - Eu tenho muita dificuldade de concentração e nas grandes crises (como agora, por exemplo) eu tomo nootrópicos para voltar a funcionar. O meu agente favorito é o piracetam e costumo tomar Nootropil 800mg.

Não tive como ver quem já foi ou não chamado, mas para fazer a minha parte, estou anunciando esse meme na Lista Lúdica para quiser acompanhar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Pensando o cyberpunk a partir de sua música

A parte de toda a reflexão que o gênero cyberpunk pode suscitar, podemos escolher outros olhares para pensá-lo. Ao invés de questionar se esse conjunto simbólico já nasceu datado e anacrônico ou se ainda é um por vir, podemos pensá-lo conceitualmente a partir da música. Dessa forma, deixamo de lado os cabelos esverdeados e os plugs a flor da pele para tentar engatinhar dentro do impacto que uma cultura hipertecnológica pode ter numa sociedade.

O cyberpunk é o mundo das sobreposições e fusões. A realidade digital entranhada na "real" de forma que os limites ficam difusos. Limites? Homem e máquina se entrelaçam e não é mais possível determinar onde começa um e termina outro. Realidades se sobrepõe indefinidamente e um indivíduo nada mais é do que o ponto de toque entre diversos planos onde o real se dá.

Uma pessoa anda na rua vestida como um punk dos anos 80 e seu avatar online imita a Marlene Dietrich com bigodes de Groucho Marx. Um executivo russo usa um terno de Kevlar (para evitar atentados) e a noite faz performances como Drag Queen com músicas da Cher em noites revival dos anos 70 em algum inferninho do bairro chinês. Nada em cyberpunk é simples ou linear, é referência dentro de referência dentro de referência. Tudo é um remix, as músicas são corte e colagem de outras músicas ad nauseam de forma que só os ouvidos mais atentos conseguem reconhecer a música dentro da música dentro da música. As pessoas têm poder de interagir com a obra musical, recortar, colar, mudar o pitch, acelar, colocar o próprio vocal ou sintetizar vozes famosas com programas de computador. Não existe mais barreira entre quem faz e quem consome música. Os ídolos ainda existem, mas quem disse que eles são ídolos por conta de suas canções?

Dizer que música cyberpunk é o Ministry (uma excelente banda, aliás) é muito pouco. Ministry é uma banda com som de cowboy homocore industrial, tem seu lugar no tempo e no espaço. Um cenário cyberpunk resgata o Ministry, mixa ele com uma orquestra dos anos 40, coloca samplers de maracas e joga a música na rua. Tudo está ali para ser consumido e regurgitado e consumido novamente. Devido ao excesso e ao sucateamento da altíssima tecnologia, o cyberpunk leva o corte e colagem ao nível da histeria.

Música cyberpunk tem nome, sobrenome e mais alguns detalhes entre parênteses. É isso com mais isso e aquilo outro. Nada mais é puro, assim como todo mundo está contaminado pela economia, pelas drogas, pela rede e pela tecnologia. Música cyberpunk é caos travestido de harmonia e vice-versa. Tudo se dá em camadas, músicas dentro de músicas. Música cyberpunk pode até não ter nome e ser ouvida uma única vez numa rádio streaming ou estar a venda num camelô em coletânias distribuídas em quatro mídias diferentes.

Alguns exemplos reais do que considero música Cyberpunk. Podem ajudar a ilustrar jogos do gênero.

The Grey Album. O Rapper Danger Mouse canta sobre bases que mixam o White Album dos Beatles com o Black Album do Metallica do rapper Jay-Z (valeu, Rocha!).

Dan Deacon. Empilhamento de samplers, vocal distorcido, cara de Nerd e barulho.

The Remix War. Série de Álbuns que coloca duas bandas do selo Metropolis para remixar músicas uma das outras. Recomendo muito o Strike 2, onde Front Line Assembly remixa o Die Krupps e vice-versa. Tem passagens de "batidão" que parecem um baile funk no inferno.

Qualquer coisa desse selo Digital Hardcore Records vai passar essa idéia do mix/remix com atitude. Alec Empire, a mente inquieta por trás da DHR, gravava quase um álbum por show. Música descartável que foi parcialmente reunida em muitos EPs ideais para deixar rolando na vitrola durante um tiroteio tenso.

Da DHR todo mundo lembra do ultra hit dos anos 90: Atari Teenage Riot. Porém, gostaria de deixar a dica do Bomb 20. Som cáustico mixando samplers de trailers de filmes. Ouvir Bomb 20 é, além de pressão, um exercício da percepção das múltiplas camadas e referências que cada música contém. Procurem uma música chamada "You Kill Me First".

Quando o Atari Teenage Riot esteve no Brasil (não lembro quando, algo tipo 96/97) o Alec Empire me deu uma cópia da fita com o "estado atual da coisa toda", segundo ele mesmo. Nessa fita conheci o ec8or e o Patric C. que mais tarde lançaram álbuns bem nervosos.

Se na aventura você tiver algum grupo de riot grrrls amazonas ninjas cyberpunk (afinal tudo é misturado e nada é simples), dê uma olhada no Cobra Killer também. Esta era a reunião da vocalista do ec8or com a vocalista do álbum Shizuo Vs Shizor (que é um mega mix de eletronico, música indiana e raiva) para berrarem juntas.

Eu realmente não sei se alguém ainda joga algo cyberpunk, mas se jogar, trilha sonora é que não vai faltar agora.

sábado, 8 de novembro de 2008

Seu namoro com o RPG

Na comunidade RPG Brasil, sugeriram um tópico onde se conta sua história com RPG como se fosse a história das suas namoradas. O Pedro viu essa idéia no fórum da RPG.Net e lançou a idéia. Copio aqui a colaboração que dei lá. Sugiro isso como um meme da blogosfera de RPG. Quem quiser participar, manda o link e vamos trocando.

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Eu era um moleque cheio de hormônios dançando rumba pelo meu corpo. Um amigo que veio da Disney me mostrou uns livros de pornografia e nunca mais eu fui o mesmo. Eu podia ficar horas trancado no meu quarto lendo aqueles livros que sempre me perguntavam o que eu queria fazer. E assim, pela masturbação, gozei pela primeira vez.

Um dia, um amigo disse ter conhecido uma mulher maravilhosa, seu nome era AD&D e a gente podia fazer o que quiser com ela. Era uma dessas mulheres mais velhas, mais vividas, que piravam a cabeça da garotada com momentos inesquecíveis.

Infelizmente, essa dileta dama cobrava caro para nossas posses na época, mas nosso desejo não parava de crescer. Decidimos então construir nossa própria namorada a partir das poucas memórias que alguns de nós tinham de seus momentos com a corôa enxuta. Dias e dias depois, lá estava ela. Não tinha uma roupa muito bonita, era costurada com grafite 2B e as meias eram de xerox, ainda assim era uma delícia desnudá-la para o nosso prazer. Nunca parávamos de mudá-la, era uma verdadeira Amélia que cedia a todas as nossas vontades juvenis. Falávamos dela para as pessoas as vezes, contávamos as peripécias que fazíamos com ela. Todos ficavam loucos para conhecê-la, mas nunca mostramos para ninguém.

Nos dedicamos a conhecer outras mulheres com o único intuito de roubar presentes para a nossa namorada. Saímos algumas vezes com a GURPS e roubamos todas as suas magias. Outros dias saíamos com a RoleMaster e sua irmã MERP, mas não conseguíamos roubar nada, elas falavam demais e diziam muito pouco. Também saímos com a Call of Cthulhu e achamos muito bacana. Hoje, tenho até saudades dela.

Conhecemos então um cara que morava com a AD&D. Ele abriu o guarda roupa de sua amante e mostrou uma coleção de vestidos lindos, vermelhos, amarelos, negros e tantos outros. Cometemos então a maior injustiça de nossas vidas, trocamos nossa namorada que por tantos anos nos serviu por uma mulher vaidosa, cheia de vestidos bonitos e que tudo que a interessava era poder. Foi difícil resistir, ela foi quem despertou nosso primeiro desejo e por isso cedemos.

Alguns anos depois, já havíamos nos deleitado com todos os vestidos da AD&D. Gostávamos muito quando ela vestia uma combinação de couro e pedra, com a pele bem bronzeada. Ainda assim, enjoamos e começamos a fazer roupas novas para ela. Todas peças curtas, bem eróticas, nenhum longo ou alta costura. Eram roupas rápidas de colocar e de tirar.

Já estávamos de saco cheio da AD&D quando a Vampire veio. Ela prometia revolucionar, ser diferente de tudo que já tínhamos vistos. Novos prazeres e sensações únicas. Já não éramos mais crianças, mas ainda nos impressionávamos com qualquer coisa. Pouco a pouco, a Vampiro apresentava uma irmã para cada um de nós. Éramos em 5 e quatro irmãs ela trouxe. Cada um de nós se casou com uma e as sustentamos. Investimos muito nelas e tivemos o retorno desejado. Foram relacionamentos felizes, mas algum tempo depois começamos a questionar nossas escolhas.

Eu era casado com a Vampire, mas não aguentava mais a cara de quem peidou que ela fazia para tirar foto. Sempre que ela começava com aquele papo de horror pessoal eu começava a lembrar da sua irmã Mage, que estava casada com um dos meus melhores amigos. Eu fica revoltado, pois achava que ele não dava a devida atenção para ela. Era sempre papai e mamãe com uma mulher disposta a realizar todo Kama-Sutra. Pior, as vezes eu me pegava cobiçando a mulher de meu próprio irmão, a doce Changeling. Ela era criativa e melancólica, uma combinação explosiva para mim.

Até que mandei a Vampire embora. Joguei as roupas dela pela janela e exigi que ela nunca mais aparecesse. Foi duro para ela, mas com tantos fãs obcecados não precisava de mim.

Fiquei desgostoso das mulheres por um tempo, no meu íntimo, sonhava com minha primeira namorada feita a mão e várias vezes me peguei chorando no meio da noite. Um dia, meus amigos bateram em minha porta e falaram "olha quem está aqui". Eles traziam a AD&D com eles, mas esta havia passado uma temporada "no estrangeiro" e voltou cheia de plásticas na cara e roupas que já não lhe cabiam tão bem. Sabe quando uma mulher de 40 usa trajes de cocota? Tive essa impressão quando ela me disse que agora se chamava D&D 3e. Entrei numa fase niilista em relação as mulheres. D&D vinha até mim com várias roupas e trejeitos esquisitos mas eu apenas ficava ali, não me apegava. Estava muito ocupado com trabalho e só podia contar com meus amigos para me apresentar namoradas.

Aproveitei que o amigo que fora casado com a Mage a deixou pela D&D e peguei Mage para mim. Jurei que cuidaria bem dela, mas a verdade é que nunca consegui chegar as vias de fato com a Mage. Porém, tenho certeza que estou lhe dando um lar melhor, pelo menos vez ou outra acaricio gentilmente suas curvas. O mesmo fiz com a pequena ex-mulher de meu irmão e assim comecei a montar meu harém adormecido. A única coisa bonita que vi com a D&D, foi o vestido que um amigo especialmente apaixonado por ela fez. Participei de seu corte e costura com gosto, o vestido ficava elegante nela apesar do botox.

Deixei meus amigos. Ainda ouço notícias da D&D e a última coisa que soube é que ela surtou de vez, agora se chama 4e e não fala mais coisa com coisa. Com tanta idade, era esperado que ficasse senil. Até meu amigo mais apaixonado lhe tomou o vestido que fizemos para ela.

Hoje, me dedico a colecionar mulheres. Ando de bar em bar flertando com todas elas. Adoro essas novinhas independentes que andam aparecendo por aí. Todas leves, descompromissadas e cheias de idéias na cabeça. Vez ou outra, encontro com alguma outra corôa da época da AD&D, prefiro as que envelheceram com mais dignidade. Se a pele dessas não é mais tão rija quanto fora, ao menos seus beijos e histórias carregam um espírito que falta as minhas lindas ninfetas.

Assim, chego em casa todos os dias e as vejo pelo sofá e pela cama. Don't Rest Your Read, Spirit of The Century, Esoterrorists, Elric!, Ars Magica, Whispering Vault, Cold City, Ex Machina, Mutants & Masterminds... Todas elas me recebem com sorrisos largos. Eu as acaricio, beijo, aliso, mas as deixo antes do fim.

Voltei a roubar das minhas mulheres para construir a minha namorada perfeita. Ela está nascendo leve, divertida, com o formato do meu sonho. Já a vesti de cowboy lutando contra vermes gigantes, já a vesti com trajes da segunda guerra repleta de paranormais e aberrações e agora ela está ganhando uma roupa linda de pirata. Em breve ela vai ter dinossauros, naves espaciais, viagem no tempo, ninjas e cowboys, afinal ela topa tudo que eu quiser.

A verdade é que eu nunca esqueci minha primeira namorada e ela nunca me esqueceu também. Se hoje ela é completamente diferente, é por que eu sou completamente diferente hoje.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Modernidade e Magia

Numa discussão belíssima iniciada na lista Area-RPG pelo Daniel Don, foi debatido como seria um mundo moderno que tivesse em seu passado o paradigma mágico do D&D. Seguem os meus centavos nessa conversa.

Pensem em qual foi o grande trunfo da ciência para a secularização do mundo: conforto e qualidade de vida. O maior apelo da ciência em relação a religião, o misticismo e a magia é que as respostas sobre a vida que a ciência propõe fazem os seus dentes ficarem no lugar, criam o ar condicionado, máquinas que te poupam trabalho e de quebra ainda rolam umas vacinas.

Se a religião e a magia dessem respostas diretas às questões através da intervenção dos deuses e dos mistérios ocultos, não haveria a necessidade da ciência cumprir esse papel. Se eu ficasse doente, iria ao templo e ficaria efetivamente curado, pois um sacerdote me aplicar um "curar doenças leves" e isso seria melhor do que tomar uma vacina, um remédio ou ser operado.

Se eu tivesse fome, posso me dedicar a alcançar um pequeno nível no sacerdócio da minha religião e com isso fazer aparecer água e comida de verdade com as minhas orações. Isso é melhor do que ir no mercado ou ter que trabalhar para comprar alimento.

Evidentemente, a idéia de que as revoluções científicas são movidas por simples necessidades de maior conforto é muito limitada. A busca por conhecimento, por verdades e descobertas move o homem na direção do saber tanto quanto o frio e a fome. Porém, devemos lembrar que a magia e a religião também são um conhecimento. Num ambiente de magia e religião inferindo diretamente na realidade, seria lugar onde a magia e a religião seriam campos de estudos e revelações que evoluiria com o tempo. Não pelos mesmo métodos da ciência, mas com formas próprias de se expandir na direção da dúvida.

Um mundo high fantasy, onde o poder não estivesse na mão de um casta e fosse bem acessível, poderia não diferir muito de um mundo tecnológico. Imaginem que ao invés de comprar um celular eu ia comprar um item mágico que, ao invés de componentes de micro eletrônica, teria uma runa de telepatia que cumpriria a mesma função de me conectar remotamente com outras pessoas. Ano após ano, os estudos místicos criaram runas cada vez mais intrincadas e refinadas. Os pactos ocorreriam com entidades cada vez mais poderosas e especializadas. Um dia, meu item mágico de comunicação ia até tirar foto.

Eu também acredito que pensaríamos em formas não mágicas de fazer as coisas. Porém, assim como a magia hoje é uma coisa menor, um hobby ou uma excentricidade, a tecnologia também o seria. Estou falando de uma inversão de polaridades.

Ainda mais difícil de imaginar, é a mentalidade dos povos desse mundo. Hoje, muito do que pensamos e como pensamos é orientado pelo nosso paradigma científico. Aqui com os meus botões, eu acredito que essa modernidade mística teria a imprevisibilidade muito mais arraigada ao seu modo e pensar, inclusive por ser uma sociedade acostumada a olhar o próprio futuro em oráculos objetivos que exibem imagens do por vir. Não iríamos ter a dúvida filosófica entre o livre arbítrio e a determinação divina, íamos ver as duas forças operando a nossa frente e teríamos conhecimento objetivo de que, em verdade, o resultado desse embate só ocorre no seu próprio momento, mesmo que esse momento possa ser refeito através de viagens mágicas no tempo. Ou seja, nem o passado é imutável.

Hoje tentamos controlar a imprevisibilidade. Ela é um tabu, o inimigo da verdade. Ela circula na boca os teóricos do caos, mas na vida mundana o planejamento, a disciplina e a determinação devem superar qualquer contra tempo. Nesse mundo das bolas de cristal, já teríamos visto que as forças que operam o destino, o presente e o passado nunca param de se confrontar, logo já incorporaríamos a incerteza de uma forma muito mais natural.

Outro ponto, um mundo contemporâneo que parte da idéia de que a magia é real seria interessante como cenário se estivéssemos sentindo hoje o retorno de milênios de uso da magia. A tecnologia é maravilhosa, mas tem um retorno forte quando o seu uso desmedido passa por questões ambientais e uso racional de recursos. Então imagine que após eras de uso intensivo da mágica, as pessoas estivessem começando a sofrer algum mal por isso.
Pensem em Dark Sun para entender uma parte dessa idéia.

Ecomagica seria a palavra da vez.

sábado, 1 de novembro de 2008

A segunda temporada de Cartoon Action Hour

Então você perdeu algumas horas da sua juventude fazendo adaptações para RPG dos desenhos que consumiram anos da sua infância. Eu sei como é isso, eu mesmo já pensei em como seria Thundercats, Transformers, Comandos em Ação, Spiral Zone, Silver Hawks, Jace and the Wheeled Warriors e afins em RPG. Inclusive já pensei em usar RPG para escrever roteiros de um desenho animado em que trabalhei há muitos anos: os guerreiros da Amazônia.

A boa notícia é que há um sistema no mercado que quer ajudar você a fazer isso. O Cartoon Action Hour é um jogo de RPG para simular o ritmo bombástico dos desenhos animados dos anos 80. Heróis fantásticos e inimigos recorrentes em aventuras que caberiam num episódio de meia hora. A Spectrum Games anunciou o lançamento oficial da "segunda temporada" do jogo. Uma nova edição revista e ampliada, com qualidade gráfica muito superior a primeira e mais de três anos de desenvolvimento.

Quem lançava Cartoon Action Hour no mercado era a Z-Man games, que também tem uma seleção muito interessante de jogos de tabuleiro, entre eles Pandemic e Agricola, títulos bem populares. Porém, me parece que essa segunda temporada será lançada em PDF e em livro pela própria Spectrum Games.

O livro deve sair neste mês ou no próximo, mas a editora aposta no seu quickstart gratuito como ferramenta de divulgação. Você pode baixar aqui o Demo de Cartoon Action Hour: Season 2 e o capítulo para mestres completo aqui. Com o demo é possível rolar aventuras completas e sacar bem o espírito do jogo.

Vou aproveitar esse quickstart para por em prática uma idéia que tenho para um RPG de desenho animado. Cada seção de jogo seria um saturday morning completo, ou seja, a criançada senta com um prato de sucrilhos frente a TV e assiste uns três ou quatro desenhos seguidamente. A seção seria partida em diferentes fases, uma para cada desenho animado e os jogadores vão ter personagens diferentes para cada desenho. O pulo do gato é que os personagens de um jogador serão construídos compartilhando os mesmo pontos. Ou seja, cada jogador terá que escolher se terá personagens medianos em todos os desenhos, ou se será muito mais poderoso do que a média num, mas um mero coadjuvante em outros. Vai ser um experimento interessante e creio que o Cartoon Action Hour: Season 2 veio bem a calhar para isso.

Leitura complementar:

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Lugares para se estar: Lista Lúdica e RPG.Blogs

Na última semana montei um agregador de blogs de RPG e Jogos de Tabuleiro, a Lista Lúdica. Ela é bem simples, são duas listas de blogs, uma de RPG e outra de jogos de tabuleiro construídas usando as blog lists do Blogger. A motivação é ainda mais simples: eu queria um lugar melhor para ver quem andava atualizando o blog. Meu Google Reader transborda de vários assuntos e por vezes eu quero só ler um pouco sobre RPG e Jogos para inspirar conteúdo para cá.

Se você quiser seu blog lá, basta me mandar o endereço. Já tem quase 70 blogs de RPG e mais de 20 de jogos de tabuleiro, peguei o hábito de reservar alguns momentos do dia para pesquisar novos blogs. Minha idéia é construir um pequeno mapa da blogosfera de RPG, além de recomendar posts e falar minhas bobagens por lá também.

Praticamente no mesmo tempo, o Guilherme Moreno lançou o RPG.blogs, um outro agregador de blogs, mas este construído na unha por ele. Por ser um produto de desenvolvimento próprio, apresenta uma série de vantagens em relação à Lista Lúdica, sendo quase um BlogBlogs de RPG, com indexação, busca e tagueamento de posts. Para se inscrever, vá nessa página e envie as informações necessárias e não esqueça de colocar o selo no seu site!

Essa coisa de tantos agregadores de blogs aparecendo pode ter preocupado algumas pessoas. No blog da Area Cinza surgiu a necessária discussão sobre a quem servem os agregadores. Eu digo que servem a comunidade, mas nunca perdendo de vista que estão sempre em débito para com ela, pois é a comunidade quem cede conteúdo gratuitamente para manter o verdadeiro valor dos agregadores. É preciso ter cuidado para não cair no lado negro da Web 2.0, em que um ou outro faturam uns trocados em cima de conteúdo alheio, pervertendo a dialética saudável entre o que é de um e o que é de todos.

Acredito que antes de tudo os agregadores surjam de necessidades dos seus criadores, estes então entendem que a necessidade de um é a necessidade de todos e assim compartilham a ferramenta. A comunidade agradece compartilhando o conteúdo e dessa forma todos crescem juntos.

Agreguem, bloguem e joguem.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O RPG do amor

Vi primeiro no News RPG. Ainda estou sem palavras. Na falta delas, uma apresentação do livro:


Em Jogos de Amor, do doutor Américo Canhoto, você poderá participar de uma inesquecível experiência, repleta de sentimentos, emoções, prazer e espiritualidade. Assuma o papel de um personagem e vivencie a busca da felicidade e do amor. Com a orientação do autor, que utiliza o RPG - Role Play Game, jogo de interpretação de papéis -, você descobrirá quanto e como suas escolhas amorosas podem influenciar sua vida e a de outras pessoas. Nessa experiência virtual, improvise à vontade para que você tenha a oportunidade de realizar um sonho possível: viver um grande amor...


Dr. Américo Canhoto é médico e autor de diversos livros espíritas para a Editora Petit, entre eles Saúde ou Doença: a escolha é sua e Chegando à casa espírita. O livro promete tratar da saúde dos relacionamentos, ajudando você a perceber quando encontrou o amor e como cuidar dele. Tudo isso com uma abordagem literária inovadora: os jogos de representação.

Eu, sinceramente, estou maravilhado. Desde que maturei meus conceitos sobre o RPG defendo que ele deve deixar seu nicho nerdizante de editoras especializadas e produtos herméticos para se tornar uma prática corriqueira, mundana. Todo mundo pode jogar RPG e é possível fazer um RPG para qualquer coisa e para qualquer um. A imaginação é um poder humano assim como a representação e o lúdico. Quero mesmo ver este livro. Quero ver como o autor entende RPG e como ele o usa. Quero descobrir se eu concordo ou não com a abordagem dele. Vai que eu descubro um produto interessante com uma abordagem realmente diferente do tema?

Eu faço as minhas apostas. Fui Kardecista por anos e conheço poucas religiões tão RPG quanto a doutrina espírita. Uma religião que inclui cidades espirituais, bastões de luz como os presentes em Nosso Lar e que cuida de mitigar ao máximo a barreira entre fantasia e realidade com seu discurso científico positivo merece muito do meu respeito. Num dia de especial inspiração, retomarei a leitura dos livros de Kardec e André Luís e farei um pequeno RPG sobre missões espirituais partindo de cidades espirituais para levar luz para desencarnados que vagam no umbral ou para encarnados que estejam sendo obsediados. Aliás, um RPG seria uma excelente ferramenta de disseminação da conhecimento espírita, mostrando a visão deles sobre o mundo espiritual através dessas aventuras.

Por essas idéias e outras, que eu queria muito que RPG conseguisse ir para além dos D20s e ganhasse o mundo. Quem sabe o Dr. Canhoto não está justamente pavimentando essa estrada para nós?

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Música para ouvir música para ouvir música para ouvir

Na letra de Arnaldo Antunes tem música para jogar baralho, mas não tem música para jogar RPG. Ficou mesmo de fora, pois ouvir música enquanto se joga RPG, além de bem comum, é técnica narrativa para muitos. Escolher música para jogar é parte da criação da aventura para vários mestres.

Mestres e jogadores que tenham uma ligação forte com música devem obter um prazer especial com isso. Nem que seja para escolher que CD vai ficar rolando em repeat durante o jogo. Um prato cheio para isso são trilhas sonoras de filmes. Já estive em aventuras em que, ao acaso, a música épica começou a tocar no momento exato em que começamos a grande batalha. Senhor dos Anéis, Dracula de Bran Stocker, Guerra nas Estrelas entre outras parecem ser figuras fáceis nas mesas de jogo.

Já não é de hoje que as editoras perceberam que música climática para jogadores de RPG é um nicho de mercado. A primeira vez em que tomei conhecimento de um foi o CD Music from the Succubus Club lançado pela Dancing Ferret Discs em parceria com a White Wolf em 2000. O CD representava um set list da boite número um da vampirada e tinha 13 faixas, uma música para cada clã. O mundo das trevas sempre teve uma ligação muito direta com a música, dedicando páginas de seus livros apenas para a sugestão de bandas de músicas para dar o clima da brincadeira.

Recentemente, apareceram três lançamentos seguidos, mostrando que mesmo não tendo muitos produtos na área, o conceito segue no mercado. A Pelgrane Press tem dois títulos no mercado, ambos de James Semple:

Dissonance - música para jogar Esoterrorists, um RPG onde você é um agente investigador que luta contra uma grande conspiração de ocultistas que atentam contra a própria realidade. A compra dá direito a 4 músicas, entre elas uma música para ser tocada na abertura de partidas e o tema oficial da Ordo Veritatis, o grupo que combate os esoterroristas.

Four Shadows - música para jogar Trail of Cthulhu. Assim como Esoterrorists, Trail of Cthulhu é baseado no sistema Gunshoe, cujo o foco são aventuras investigativas. No caso desse jogo, temos um cenário pulp cthulhunesco para desvendar. O comprador recebe quatro faixas que prometem colocar seus jogadores no clima dos mitos de Lovecraft.

Por fim, temos o Blood Opera Suite, onde ouvimos No More Roses, a ópera inacabada da alma torturada de Shivon Mwrr, um músico traído. Toda essa tragédia é para jogar Houses of Blooded, um RPG decadencista sobre nobres passionais e vingativos. Me lembra Ligações Perigosas.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Monstros e outras coisas de criança

Esse seria um nome provável caso Monsters and Other Childish Things ganhasse uma versão em português. Me parece que há um pequeno filão de jogos de representação voltados para uma espécie de horror infantil. Entre eles podemos destacar o Little Fears (que eu, na minha mania de pensar traduções, chamo de Pequenos Pavores), Grimm e o suplemento Innocents do Word of Darkness, lançado este ano pela White Wolf. Aliás, como comentamos no tópico sobre RPGs divinos, a White Wolf com certeza trabalha forte com pesquisa de tendência de mercado.

Em Monsters (vamos abreviar, por favor) os personagens são crianças e seus monstros de estimação. Os monstros são amigos imaginários que apenas as crianças podem ver, assim como todo o restante do mundo perigoso, opressivo e fantástico que as cerca. A imaginação é a um só tempo bela e perigosa, a fantasia asséptica dos adultos é uma mentira, o mundo das crianças e seus horrores é perigoso, emocionante, cheio de aventuras e ameaças. Existe uma longa seção do livro onde o autor Benjamin Baugh mostra todas as possíveis químicas a serem criadas para dar diferentes tons para as histórias. Cito agora o mesmo trecho que o usuário Unshaven usou em sua resenha no RPG.net para ilustrar a idéia geral do autor sobre o espírito de seu livro:


"O que você fez hoje?"

"Nós encontramos o tesouro dos piratas, mas ele estava amaldiçoado e então tinham zumbis, aí o Gnarlytoes comeu eles e então nós tomamos sorvete na casa da Júlia."

"Puxa, parece que você andou realmente ocupado! Tomara que tenha sobrado espaço para o jantar"


Várias referências podem ser citadas para ajudar a entender o clima de Monsters, a mais óbvia é também a que menos explica: Pokemon. Embora seja um jogo sobre crianças e seus monstros maravilhosos que lutam, devoram uns aos outros e fazem peripécias, o jogo não tem as mesmas cores e o foco em competições do desenho animado da Nintendo. Calvin e Haroldo (saudosa tira de Bill Waterson) talvez seja a imagem ideal, mas os imagine brincando no universo das Desventuras em Série de Lemony Snicket caso esse fosse habitado pelos amigos do Cthulhu.

Esse jogo começou pequeno, com uma publicação humilde de 48 páginas da Arc Dream (Godlike, Wild Talents) em 2007 e, devido ao seu sucesso, ganhou uma versão "Completamente Monstruosa" de 180 páginas este ano. Monsters se apóia no ORE (One Roll Engine) o sistema de rolamento único criado por Greg Stolze presente nos outros títulos da editora. Nessa mecânica, os jogadores constroem paradas de dado de forma semelhante a presente no sistema Storyteller da White Wolf, mas ao invés de tentar alcançar um resultado ou número de sucessos o objetivo é formar combinações de dados com o mesmo valor. Essas combinações determinam a "largura" e a "altura" do resultado, onde largura é sua potência e altura sua precisão. Com isso, uma combinação de quatro dados com o valor 2 é mais potente, mas menos precisa que uma combinação de dois dados com valor 7. A partir dessa premissa, cada jogo cria seus critérios para escolha dessas combinações ou introduz dados especiais a esse rolamento.

Este ano, Monsters ganhou dois suplementos: The Dreadful Secrets of Candlewick Manor que trata de um orfanato cheio de segredos nefastos, talvez a versão mais pesada e dramática do jogo, com menos aventura e mais traumas de infância e Curriculum of Conspiracy, um cenário típico de escola norte americana com valentões e mistérios.

Por fim, seguem outros links para expandir a leitura:

terça-feira, 14 de outubro de 2008

1o. Concurso Brasileiro de Criação de Jogos de Tabuleiro


A Riachuelo está promovendo o primeiro concurso brasileiro de design de jogo : o Concurso Brasil de Criação de Jogos de Tabuleiro. Estamos convidando todos a participarem sendo que o objetivo é fazer algo que agite o cenário Lúdico nacional e fomentando a criação de novos projetos pelos designers, na linha que é feito nos EUA e na Europa.


As regras do concurso estão sendo mostradas nesse link.

Excelente iniciativa! Divulguem e participem.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Jogando RPG de Graça além do 3d&t - Parte 1

Você pode ter chegado aqui buscando por RPGs online gratuitos na Internet. Na minha opinião de não jogador de RPGs online, gosto muito de Maplestory, joguei bastante numa época. Porém, esse post não é sobre RPGs online. É sobre como jogar RPGs "de mesa" gratuitamente de forma legal. Falo sobre você baixar um arquivo da Internet, imprimir se considerar necessário e jogar com os seus amigos.

Sempre me posicionei contra a idéia de que RPG é uma brincadeira cara e que para ser jogado depende de um investimento em livros. RPG é um jogo de faz-de-conta que, uma vez entendido conceitualmente, te torna capaz de criar e se divertir com os seus próprios jogos caso deseje. Porém, não vejo essa idéia muito divulgada por aí. Evidentemente isso não significa uma repulsa as publicações a venda, pelo contrário. Critico sim a naturalização da idéia de que RPG significa livros grandes, caros e em inglês. Mostro aqui que você tem como ter materiais de versões digitais gratuitas de RPGs.

Para a ainda seleta, porém crescente, fatia de brasileiros que tem acesso a Internet, já existe uma série de possibilidades interessantes para isso. Vejam que não estou falando de pirataria ou de download de material impróprio. Falo de livros eletrônicos que o autor quer que você tenha sem custo. Seja por demonstração, seja para criar uma relação com você.

Um excelente exemplo em português é o 3d&t distribuído gratuitamente no site da Editora Jambô. Caso o inglês lhe seja familiar, trago uma lista de links do Drivethru RPG (que funciona sobre a mesma base do RPGNow). O site exige um cadastro pequeno e indolor, recomendo assinar a newsletter deles para ser avisado de novos produtos gratuitos.

Essa lista vai ser dividida em várias partes, cada uma tratando de um tipo de produto específico. Começamos com uma lista de Quick Starts. Essencialmente, são pequenos libretos que apresentam um sistema, conceito e cenário além de ensinar a construção de personagens de forma simplificada. São produtos de degustação completamente jogáveis e garanto que com um pouco de criatividade e ousadia para estender os conceitos propostos nesses guias rápidos, é possível que eles se bastem para várias horas de jogo e várias aventuras diferentes. Basta se libertar do cânone que as editoras tentam te vender e preencher você mesmo as lacunas deixadas por esses produto gratuitos. Para baixá-los, basta clicar nos links abaixo depois de se registrar no site. Para ver outros produtos gratuitos bastar clicar em "by price" no menu da esquerda e depois em "Show Only Free Products".

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Sobre como jogar Castelo Falkenstein

Há algum tempo, conversando com um provável futuro companheiro de RPG*, debatemos a mecânica de jogo de Castelo Falkenstein. Na visão dele, a forma como as regras foram definidas é inconsistente e não atende ao propósito. Eu, do contrário, considero uma brincadeira interessante.

Não vou me alongar na explicação das regras do jogo, pois eu mesmo não lembro em profundidade como são. Não é um livro tão difícil de encontrar e tem uma base sólida de fãs. Basta uma busca mais cuidadosa para encontrá-las em detalhes. Os comentaristas desse tópico também podem complementá-lo para melhorar sua leitura.

Basicamente, os jogadores têm um número de quatro cartas de baralho em mãos (acredito que são 5, mas realmente não me recordo). Cada naipe significa um tipo de ação e cada carta um valor. Ao participar de uma ação cujo o mestre exija um teste, o jogador escolhe quais cartas quer baixar. As cartas do naipe pertinente ao tipo de conflito têm seus valores somados integralmente, ao passo que os naipes não relativos somam apenas um ponto independente de seu valor. No fim da jogada, o jogador compra cartas até que volte a ter a mão cheia.

Em tese, você pode escolher descer todas as cartas de uma vez, somá-las integralmente e comprar todo um novo conjunto de cartas para a próxima rodada. A diferença entre isso e um rolar de dados é que você sabe por antecipação qual o seu resultado para cada tipo de ação possível nas regras. Isso pode criar uma distorção no jogo, pois o jogador começará a guiar suas ações na direção do que ele sabe que tem a melhor chance de ter sucesso.

Não há dúvidas de que seja possível jogar dessa forma, mas essa não me parece nem de longe a melhor forma de jogar. Não estou levando em conta representação ou o interesse do jogador em contar uma boa história. Considero isso um pressuposto e não um diferencial. Porém, mesmo em termos de estratégia, a melhor forma de usar as cartas ainda é uma escolha criteriosa da carta jogada.

A história é imprevisível e as situações que seu nobre personagem será posto a prova não estão sob o seu controle. Nesse ponto, Castle Falkenstein se torna um jogo que além de sorte e atributos, existe a necessidade de uma boa administração de recursos. Saber se o situação pede aquele As de copas que está secando na sua mão ou não, é um elemento sofisticado das regras, que exige uma postura diferenciada do jogador.

Longe dessa regra ter apenas um caráter mecânico, ela está alinhada com a pretensão literária do jogo por estimular o clímax da aventura. Um jogo que conte mais com a sorte do que com a administração de recursos pode ser extremamente frustrante. Imagine que depois de um dia inteiro de jogo, finalmente seu guerreiro está com a espada em punho, pulando sobre o Dragão Vermelho que está a ponto de devorar o exaurido mago do time. Seu personagem tem ótimos atributos, está corretamente equipado e com todas as magias possíveis que melhoram sua eficiência. Então você rola o dado e tira 1. Não há discussão: 1 é sempre uma falha. No Castelo Falkenstein, caso o jogador opte por descer todas as suas cartas a cada desafio, ele não estará aproveitando bem essa segurança climática que o jogo propõe, o personagem se torna inconstante e, caso a inconstância não seja sua marca, inconsistente.

Se durante uma seção inteira de jogo você não conseguir construir uma boa mão que garanta ações incríveis você vai evitá-las, buscando contornar os desafios principais de outra forma e buscando participar de desafios menores que possam melhorar sua mão. Se extrapolarmos esse modelo percebemos que, quando compreendido, ele se torna uma mecânica excelente para simular o comportamento mais protagonista e ousado ou mais conservador e coadjuvante. Melhor ainda é a certeza de que, ao longo de várias seções, todos terão seus dias de protagonista determinante, criando um equilíbrio narrativo natural.

* Esse tópico também é bom: companheiros de jogo são como um relacionamento. Você primeiro toma um os dois chopps e conversa com a pessoa sobre RPG. Assim você descobre qual a visão que ela tem do jogo, qual as expectativas dela em relação as aventuras, sistemas e humores. Com isso você decide se liga no dia seguinte, se vai procurar a pessoa novamente, se é um desejo tórrido, um relacionamento estável ou se você vai atravessar para o outro lado da rua quando ver essa pessoa de longe. No caso do Igor, esse futuro provável companheiro de jogo em questão, mal posso esperar pelas mesas de Spirit of the Century ou Trail of Cthulhu.

sábado, 12 de julho de 2008

O Mapa do RPG no Brasil e algumas memórias

Iniciativa do Bruno Tarmann. A Bárbaras Magias e a Point HQ do Rio de Janeiro já estão sinalizadas. Gostaria de saber se uma antiga loja na Taquara chamada Metropolis ainda está na ativa, lembro que o dono era um rapaz chamado Talles e era um entusiasta do hobby.

Da mesma forma, sinto falta da Além da Imaginação (em Niterói), que pertencia ao Lúcio Abbondati, uma das figuras mais inspiradoras que eu já conheci. Recentemente assisti uma palestra dele na Descolagem do NAVE. Sempre bom ouvi-lo falar com a mesma paixão sincera e inteligente de sempre. Quando ouço que a Ludus é a primeira luderia do Brasil faço minha voz contra. A Além da Imaginação era, além de uma loja de RPG, uma luderia, uma RPGteca e uma gibiteca.

Além dessas duas, devo citar a Gibimania, que há tempos já não trabalha mais muito com RPG mas continua sendo o lugar para se ter conversas saudáveis sobre quadrinhos, seriados antigos e os "bons tempos". A simpatia do Marquinhos, dono do negócio e torcedor do Bangu, torna a visita ainda mais agradável.

Participe dessa brincadeira, compartilhe os endereços do RPG de sua cidade.


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quinta-feira, 10 de julho de 2008

Amplitude de parâmetros e aleatoriedade: questão de design

Recentemente adquiri e comecei a me preparar para jogar Mutantes e Malfeitores. A tradução da Jambô ficou honesta e elegante, pena que o texto original seja por vezes confuso. Muitos exemplos acabam por confundir mais do que explicar. Na medida em que se entendem as regras do jogo imaginamos outras formas melhores de explicá-las, faltou um pouco de didática na redação.

Debatendo com um amigo que é fã de regras, chegamos a alguns pontos interessantes sobre o design das regras D20 e essa adaptação com clima de quadrinhos. Um dos pontos levantados dizia respeito à elegância das regras. Segundo ele, o sistema tinha todas as ferramentas para resolver um ataque com apenas uma rolagem de dados por parte do atacante. Sendo a dificuldade a resistência do oponente, bastaria somar a margem de sucesso ao dano básico e diminuir da defesa passiva para se ter o dano final do ataque. Porém, argumentei que essa seria uma forma muito frustrante de jogar. O jogador cujo personagem sofresse um ataque não participaria ativamente da situação, dificultando a imersão no jogo. Considero que essa redundância de rolamentos gera maior interação e emoção e este é o foco da brincadeira.

Uma outra questão debatida foi sobre a curva de variação dos dados se comparada com a amplitude dos atributos, perícias e parâmetros de disputa. Uma coisa que acho estranha em Mutantes e Malfeitores é a baixa variação dos parâmetros. Se for uma aventura de Nível de Poder 10, os personagens possivelmente vão atacar tendo 10 como parâmetro e se defender também com 10, pois é esse o limite de poder combinado. Mesmo podendo negociar com o seu mestre uma troca entre o limite do ataque e o limite da defesa, essas sempre serão exceções. Em casos como esse, a alta variação que um dado de 20 lados oferece é essencial para oferecer alguma surpresa ao jogo.

Já em outros jogos da linha D20 como o próprio D&D, a variação entre os parâmetros é naturalmente maior, pois estas são definidas não pelo nível da aventura, mas sim pelos níveis de poder particulares de cada classe. Nesse caso, é interessante pensar que substituir o d20 por 2d10 somados pode trazer uma nova experiência de jogo. Rolamentos de 2d10 têm uma curva diferente (em sino) do d20 (linear), pois existe uma concentração maior de resultados na média. Dessa forma, o jogo pode ficar menos frustrante, pois se você preparou um personagem para ser bom em alguma tarefa ele tem mais chance de ser bem sucedido nela.

Donde conclui-se que para manter um jogo divertido precisamos orquestrar esses dois fatores. Se os personagens variam muito entre si em termos de parâmetros e com isso podem ser altamente especializados em suas capacidades, é interessante escolher rolamentos que se concentrem na média, pois se minimiza a chance de um personagem especialmente bom em algo ser vítima de sucessivos fracassos. Se os personagens variam pouco entre si em termos matemáticos, operando em curta amplitude de valores, é necessária uma aleatoriedade maior para jogo se tornar mais dinâmico. Desta forma a resolução das ações fica antes a cargo da sorte e do uso criativo dos recursos e não da estratégia de construção de personagens.

Do contrário, a baixa variação de parâmetros e baixa aleatoriedade tornariam o jogo por demais linear e sem emoção. Ideal para máquinas, muito pouco atraente para humanos. Alta variação de parâmetros e alta aleatoriedade nos dão o D20 system.

domingo, 8 de junho de 2008

Primeira experiência com a 4ª Edição do D&D

Então que ontem, sábado, fui ao Dia Internacional do D&D na Point HQ. A maior motivação era jogar um pouco de RPG, não importa qual, por um acaso, o mote do evento era uma apresentação da 4ª Edição do D&D. Acredito que D&D dispense explicações e textos introdutórios.


O evento tinha o jeito mambembe padrão dos eventos brasileiros de RPG. De um modo geral, sempre que se infere um traço característico de uma expressão verde amarela este será o improviso e o vai-da-valsa. Vide nosso cinema novo. Portanto, não vejo razão para elencar essas questões sobre o evento. Aqui basta dizer que ele houve.

Sentei-me numa mesa que por sorte foi compartilhada com uma garotada gente boa. O mestre estava no pacote "rapaziada esperta" também, o que foi revigorante de alguma forma. Joguei um RPG "de raiz", com aquela empolgação juvenil e sem o cinismo comum à maturidade. O mestre entendia que as regras (novas ou velhas) serviam para divertir as pessoas e nada mais. Nesse caso, qualquer fetiche sobre a norma é inapropriado.

Nesse ambiente, pude pensar sobre a 4ª edição em funcionamento com certa calma. Afirmo que da mesma forma que a 3ª edição (e suas revisões) é um jogo diferente e não uma evolução da 2ª, a 4ª edição é uma experiência a parte. Mesmo compartilhando o núcleo duro do D&D (atributos, classe, nível e afins), os três produtos não são continuativos.

A 4ª edição assume o caráter wargame da franquia e oferece um conjunto de possibilidades bem refinadas para ação. A idéia de simplesmente atacar acabou. Rolar o dado e dar o dano é demodé e, mesmo nos níveis iniciais, tudo que o personagem faz vai além do golpe, sobrando bônus, danos e efeitos para tudo quanto é lado. Seja o healing surge, o second wind, o action point ou qualquer outra novidade que você tenha ouvido falar, faz um sentido e tem um propósito dentro do combate. No restante do tempo, as perícias são as alavancas para o desenrolar de uma história.

O resultado final são personagens de primeiro nível com um volume de recursos a fazer inveja aos personagens de nível alto das outras edições. Tem-se muito hit point, toma-se muito dano, cura-se muito e dá-se um dano mediano. Com isso os combates são longos e ricos em possibilidades. A administração de todos esses recursos é complicada, mas é uma complicação diferente dos mil bônus nas mesas de 3ª edição. Imagino (e temo) as aventuras de nível alto, quando ainda mais recursos e poderes haverão.

D&D 4ª edição é um jogo de combate estratégico assim como foram as outras edições, mas com maior foco na administração de recursos do personagem. Acredito que esse gênero habita um extremo das formas de jogar RPG assim como delírios narrativos como Solipsist está quase na ponta do lado oposto. Há quem goste desse jeito de jogar. Embora tenha me divertido, prefiro dar mais alguns passos na outra direção.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Minha história com o D&D

Com a proximidade do lançamento da 4ª Edição do D&D, as listas de discussão pipocam com análises, debates, resenhas, impressões e discussões de tudo que é ordem. O volume da conversa acaba ficando tão alto, que é impossível se furtar a uma análise bem particular das sucessivas edições do RPG mais famoso do mundo.

O primeiro livro de RPG em inglês que eu li foi o Players Handbook da 2ª edição. Lembro da sensação de achar tudo maneiro para caramba. O tempo foi passando, eu fui jogando e sempre deleguei a tarefa de fazer o personagem para outro. Eu tinha uma absoluta preguiça de consultar todas aquelas tabelas para copiar os números corretos para a ficha. Normalmente eu trocava idéia com o mestre de como eu queria meu personagem e pronto. Me divertia muito mais quando, depois da ficha pronta, eu podia pensar em como o personagem ia se comportar, que aproximação ele teria para diferentes problemas e coisas assim.

Quando a terceira edição chegou eu já era "grandinho". A leitura já não foi tão empolgante por que eu estava coma cabeça travada na White Wolf, coisa que nem tenho mais paciência hoje em dia. Continuei delegando o "fazer ficha" para outro mais empolgado do que eu. Continuei com o hábito de papear com o mestre os conceitos do meu personagem e ele traçar o melhor (mais útil) build para ele. Estando pronto eu via o build, buscava ler os textos descritivos das classes de prestígio e dos recursos que tinha e ia jogar.

Durante um jogo de 2ª Edição, eu percebia que as regras não faziam muito sentido entre si. Uma vez, um dos mestres do meu grupo (que tinha intimidade com AD&D e sua história) explicou que os livros básicos se aproximavam muito de um manual de jurisprudência, e apenas registravam as decisões que os game-designers tomavam na hora do jogo. Por essas e outras que no livro dos monstros você encontra o poder "agarrar o oponente" com uma regras diferentes para cada criatura. Por isso você encontra classes e raças que têm poderes parecidos (tipo perceber algo, seja uma armadilha ou ataque) mas que têm mecânicas diferentes.

Nos jogos da 3ª Edição era patente que as regras eram mais coerentes, toda vez que eu tentava derrubar alguém a mecânica era a mesma. Toda vez que eu queria perceber alguma coisa a mecânica era parecida. Além de tudo, as mecânicas eram parecidas entre si! Com o tempo eu passei até a saber o que eu tinha rolar sem nem precisar perguntar! Vejam que legal! Devido a ortogonalidade do sistema, eu acho a terceira edição mais intuitiva que a segunda, que é bem mais hermética. Em compensação, a dependência (e inflação) de itens mágicos me dava nos nervos e a quantidade absurda de senões, bônus, modificadores e afins tornava o acompanhamento de um combate completamente indigesto. Nesse ponto a segunda edição era mais linear e, portanto, mais confortável de jogar, seu personagem era de um jeito e havia pouca coisa que o alterava.

Diferença de roleplaying entre as duas edições? Pouca, mas como a terceira edição oferecia um arsenal de opções de manobras, bônus, truques, estratégias e bobagens para combate, o grupo acabava ansiando mais para abrir o quadradário do que por um diálogo. Como a segunda edição era mais "durona" nesse sentido, rolava menos aflição pelas lutas e o povo parecia relaxar mais e curtir outros aspectos da brincadeira.

Os cenários que eu mais gostava da 2ª edição eram os mais doidões, tipo Planescape, Spelljammer e Dark Sun. Como nenhum dos 3 foi lançado para a terceira edição, não li nenhum livro de cenário para saber se eles eram melhores ou piores do que os da segunda edição. Porém, fico com a impressão de que uma parte substancial dos livros estaria tomada por feats e classes de prestígio, ao passo que na segunda edição leríamos variedades irrelevantes e divertidas sobre os cenários. Nada contra feats e classes de prestígio, mas redunda no que eu falei acima sobre aumentar a ansiedade do grupo pelos combates para poder usar aquele poder de classe que dá mais 4 quando você se pendura no teto para atingir o inimigo.

Até então, o que eu pude ver da 4ª Edição me pareceu simples e leve. Pareceu seguir um caminho mais intuitivo e ortogonal como a terceira, mas sem sua infinidade matemática no decorrer do jogo, parecendo a segunda edição. Parece que vou até achar divertido fazer as fichas e que não vou ficar todo o tempo perguntando ao mestre o que eu tenho que rolar. De repente eu até me animo de voltar a jogar D&D com mais freqüência.

Acho bacana que tenham poucos livros para os cenários (dizem que cada cenário terá apenas 3 livros lançados. Será?), isso até me dá vontade de tê-los se eu achá-los bons. Não gosto de RPGs verborrágicos. Para tal, torço por mais "literatura" e menos detalhamento matemático, como são os livros de Iron Kingdons por exemplo. Torço por recursos mais simples de combate, como por exemplo as "3 taxas" (x por dia, x por combate ou a vontade) em que os poderes ocorrem, que facilita o controle da brincadeira. Nem tudo que eu vi da quarta edição eu gostei (como os roles que instituem seu papel em combate), mas o que eu vi até agora manteve a minha curiosidade pelo produto final.

domingo, 20 de abril de 2008

Se eu posso brincar que Deus sou eu

Como diz a música dos Mutantes, para que ser normal se podemos brincar de divindade? Essa idéia tem aparecido com força em diversos lançamentos de RPG. Por um lado, não é novidade, RPG sempre tratou do extraordinário. O coração da maior parte dos jogos de representação é o mito. Mesmo os que retratam uma suposta normalidade, a vêem pelo prisma do fantástico. Os jogos incitam você a trilhar o caminho de heróis. Ainda assim, temos deuses diferentes aparecendo nas mesas.

É difícil, e possivelmente vão, tentar traçar uma linha de tempo dos RPGs sobre deuses. Esse tipo de saber enciclopédico serve apenas para gerar disputas arqueológicas de quem cava mais fundo para encontrar a múmia. Aqui vamos apenas elencar algumas opções e pensar essas linhas de jogo enquanto tendência.

O grande legitimador desse movimento é a série Scion da White Wolf (2007 e 2008). Digo legitimador pois a presença do gênero no catálogo de uma grande editora é sinal de aceitação do público. Antes de Scion, esse tipo de jogo era freqüente em editoras pequenas e, muitas vezes, independentes. Nesse ponto, RPG enquanto produto segue o mesmo caminho que a música, literatura ou cinema: aquilo que desperta em produções menores e ganha aceitação popular pode atingir massa crítica até cair na trilha das grandes entidades do mercado.

A primeira vez que pensei haver um gênero em formação foi quando conheci o RPG Nobilis (editado em 1999 pela Pharos Press e em 2002 pela Hogshead Publishing). Neste jogo os personagens são mortais eleitos por divindades (chamadas de Imperadores) para lutar contra entidades que desejam o fim da criação. Os personagens representam aspectos da realidade dominados pelo seu Imperador, como a guerra, o sol, a colheita e o que mais puder ser pensado. O sistema tem ares de sofisticado por não usar dados e ter uma resolução de conflitos bem simples. A edição de 2002 ganhou uma série de prêmios, como o Origins na categoria apresentação gráfica. Nobilis ascendeu ao status de cult e acendeu a discussão sobre RPGs que operam numa esfera acima do mundo material, que se passam em ambientes metafísicos que se relacionam com o real sensível sem estar contidos nele.

Posteriormente, tomei contato com New Gods of Mankind (Novos Deuses da Humanidade - Dark Skull Studios), um RPG onde se é um Deus guiando sua tribo de seguidores num mundo ainda em construção. O perfil deste jogo é diferente de Nobilis, as regras que incluem atos como ira divina (onde se mata um número cavalar de mortais num único lance) dão um tom mais exagerado ao jogo. NGoM corta os intermediários e não é um RPG sobre avatares ou incarnações divinas, seus personagens são o próprio poder, que luta batalhas com outros deuses que geram catástrofes entre seus seguidores.

Já em pesquisa sobre o assunto, encontrei o interessante Divus Ex. Um RPG gratuito onde os jogadores são deuses em conflito e o mestre de jogo representa o destino dessas divindades. Tanto a criação dos personagens quanto a resolução das ações é baseada em cartas de tarô. A função de narrar a história é distribuída entre todos os participantes, tornando o resultado final mais colaborativo. O jogo é mais competitivo do que RPGs mais convencionais, mas acerta ao estimular lutas de ego e manipulações políticas olimpianas.

Após esses exemplos, de volta ao Scion da White Wolf, acredito ser apenas o último título da série, God, um verdadeiro RPG sobre divindades. Os dois primeiros livros (Hero e Demigod) representam a escalada do personagem rumo a saída do mundo físico, sendo mais próximo de RPGs heróicos convencionais, onde as causas e efeitos ainda estão amarradas ao cotidiano. Apenas no terceiro livro as preocupações e agendas dos personagens transcendem e se tornam mais abstratas, estando cada vez mais longe das preocupações mundanas. Mantém-se o objetivo de combater os Titãs, mas os métodos mudam de natureza.

O mesmo comentário se aplica a Godsend Agenda (Khepera Publishing - 2001), que usa mitologias e divindades apenas para colorir um ambientação que, em síntese, é mais um jogo de super heróis. As conspirações e conflitos retratados nunca deixam de ser mundanos e mesquinhos perto das motivações por vezes sublimes ou misteriosas que costumamos atribuir aos deuses.

Um verdadeiro jogo de divindades, portanto, é aquele que convida os jogadores a deixarem de lado as questões do dia-a-dia e a pôr o ego acima das amarras da realidade. A vontade só encontra adversário legítimo em outras vontades concorrentes e não em trivialidades terrenas. Estas apenas sofrerão as conseqüências das decisões divinas com a passividade que lhes é própria.

O pequeno notável da Ronin Arts

Já não é de hoje que eu tenho admiração pelo Phillip Reed. O conheci quando um dos meus RPGs favoritos na adolescência, Whispering Vault, foi adotado pela Ronin Arts, empresa para qual colabora.

O mais recente lançamento da Ronin Arts sob a tutela de Phillip Reed é o talvez menor RPG do mundo: vsOutlaw. Por menos de 3 dólares, você adquire um folder colorido, impressão de luxo, não muito maior que um encarte de CD. São 6 páginas com as regras completas para jogar um RPG de velho oeste. Não é um faroeste fantástico, mas o foco está nas ficções de faroeste (pulps e televisivas), e não na história da colonização do oeste americano como esta se deu. Então, em posse de todos os esteriótipos possíveis de filmes italianos e americanos da sessão da tarde, um grupo pode sentar e se divertir.

O próprio jogo é recomendado para jogadores experientes com pouco tempo livre, pois vsOutlaw é simplório embora intenso e não funciona para jogos longos ou campanhas. O sistema é similar a outro sucesso inesperado de Reed, vsMonsters: poucos atributos, alguns bônus e penalidades em coisas específicas e uma mecânica de cartas de baralho. É tão simples quanto: pegue o seu atributo, some ou subtraia de suas característica relevantes, puxe do baralho um número de cartas igual a esse somatório e escolha a maior carta.

A própria origem de vsMonsters é curiosa. O RPG nasceu no 24h RPG contest, um concurso que veio na onda do 24h Comics Contest, onde equipes se propõem a escrever um RPG inteiro em 24h. Na visão de Reed, seu esforço foi um fracasso, mas vsMonsters logo ganhou admiradores que motivaram a Ronin Arts a lançar uma edição de luxo e fazer da idéia uma série, sendo no vsOutlaws seu primeiro lançamento. Para o futuro, a empresa promete vsPirates, que deve ter um formato semelhante. Se você quiser desenvolver jogos com o sistema vsM, pode baixar o seu SRD (System Reference Document, um aquivo com todas as informações sobre as regras).

Você pode baixar o vsMonsters orinal de graça nesse link. O RPG é sobre caçadores de monstros no século XVIII, inpirações em Solomon Kane e Edgard Alan Poe. Divertido e simples de jogar, ideal para jogadores que não tenham paciência para sistemas complexos e grandes campanhas. Que entendam que RPG pode ser um jogo de sábado a tarde entre amigos e não um leviatã de livros caros e matemática exagerada.

terça-feira, 18 de março de 2008

Sobre a morte de Arthur C. Clarke

Não quero transformar o Observatório do RPG num blog de obituários. Porém, já tendo prestado a devida homenagem a Gary Gygax, não é coerente deixar passar a homenagem a um grande mestre da ficção científica que nos deixa aos 90 anos.

Acho que a notoriedade de um profissional se torna incontestável após a criação de um prêmio com o seu nome. Assim como há o prêmio Jim Henson (outro grande gênio) para aqueles que contribuem para as artes (Neil Gaiman é um dos felizes ganhadores), há o prêmio Arthur C. Clarke de literatura de ficção inglesa. Perdão, devo me corrigir: Sir Arthur Clarke, por favor. Por mais banalizado que título de cavaleiro da rainha esteja, ainda é algo a se falar.

Se ter uma premiação de prestígio em seu nome já atesta sua influência, o que dizer de duas premiações? Uma vez que o exercício de especulação científica de Clarke fez com que se batizasse uma órbita com seu nome, nada mais justo que leve o nome dele o prêmio britânico para aqueles que colaboram para a exploração do espaço.

Se prêmios não são o suficiente para convencer alguém, que se fale então dos seus companheiros de trabalho, que vão de C. S. Lewis a Stanley Kubrick (outro grande gênio, mas sem prêmios com seu nome). Aliás, sobre a parceria Kubrick e Clarke, deixo meu sincero agradecimento por 2001, um dos filmes que fomentou meu gosto por ficção científica.

Não vou listar mais razões para se admirar Arthur C. Clarke além dessas trivialidades . Basta dizer que foi um autor que tratou a ciência com seu devido respeito sem ceder ao dogmatismo careta da mesma, mantendo um olhar criativo, inteligente e atento ao futuro.

"When a distinguished but elderly scientist states that something is possible, he is almost certainly right. When he states that something is impossible, he is very probably wrong."
Arthur C. Clarke

terça-feira, 4 de março de 2008

Sobre a morte de Gary Gygax

Interrompo o hiato de atualizações do Observatório com uma notícia triste: circula na Internet a notícia de que Gary Gygax morreu. Você pode ler sobre Gary Gygax na Wikipedia ou em qualquer outro dos muitos lugares que vão falar sobre ele. Aqui ficará apenas uma explicação breve:

Gary Gygax foi um dos envolvidos na criação dos primeiros jogos de RPG. Pode ser lembrado como um entusiasta dos jogos e dos jogos de representação, assim como um evangelista dos mesmos.

Como RPG é uma cultura jovem, pouco mais de 30 anos de história e recém-consolidado, a maioria dos envolvidos diretamente em seu fomento ainda se encontra viva e produtiva. O próprio Gygax articulou e assinou jogos até o fim, sem nunca pensar em qualquer tipo de aposentadoria. Afinal, por que alguém se aposentaria de seu passatempo favorito? A grande maioria das pessoas espera a aposentadoria para se dedicar a um passatempo, sorte daqueles que que vivem dos seus.

De certa forma, a morte e o luto por Gygax representa um marco para os jogos de representação. A morte de um pensador, articulador ou grande produtor dentro de uma cultura lhe dá um status de seriedade, como se a morte sacralizasse as idéias.

De forma muito saudável, a idéia de RPG hoje é diferente daquela que Gygax escreveu em seus jogos e aventuras clássicas. O objetivo dos jogos já não mais circula em torno de formas divertidas e inusitadas de morrer com os personagens. Hoje os personagens em jogo são menos descartáveis e os desafios menos arbitrários, mas só percebemos as mudanças de paradigma por que termos os nossos pilares. Obrigado, Gygax, por muitos dos nossos pilares.

É com esse agradecimento que deixo aqui a saudação e o luto do Observatório do RPG aos parentes, familiares, amigos e fãs de Gary Gygax.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Domino Gratias: RPG de Invenção e Dominó

Esse texto está separado em três movimentos encadeados. No primeiro, define-se o que é RPG de Invenção e como este pode ser tão ou mais divertido do que RPGs convencionais. Logo após, questionaremos o uso de dados como um padrão nos RPGs convencionais, sendo usados muitas vezes como ícone para representar o RPG, principalmente a sua versão de vinte lados, o D20. Por fim, apresentaremos o Domino Gratia como um RPG de Invenção para jogar entre amigos, bastando apenas um conjunto de dominós comuns para isso. A motivação desse texto foi mais um bate-papo na comunidade RPG Brasil no Orkut, onde se discutia os RPGs independentes e, posteriormente, os de invenção.

RPG de Invenção é a usurpação de um conceito musical que é Música de Invenção[1]. Música de Invenção se refere a experimentações sonoras e construções musicais que transcendem o que é convencionalmente entendido por música. A Música de Invenção é sempre uma transgressão, difícil de ser avaliada pelo status quo, mas um frescor necessário para o mesmo. Fato é, para se fazer Música de Invenção, é necessário entender de música como ninguém, entender o que a define além das próprias definições. Fazer música no liminar da própria música, transformando o seu próprio limite em objeto. No RPG de Invenção, tentamos entender o que é a dinâmica do RPG fugindo daquilo que se convenciona entender como RPG. Divergindo do ponto de comum acordo e experimentando outras mecânicas para jogar e representar, conseguimos uma percepção diferente do que realmente é a idéia central do RPG. Uma vez que RPG se tornou tão estreito, não é difícil ir além. Isso é um convite à experimentação, ao RPG de Invenção. Acredito que um exemplo interessante do que poderia ser entendido como RPG de Invenção são As Extraordinárias Aventuras do Barão Munchausen, que recomendo a todos como diversão garantida.

Toda a conversa começou com o questionamento do D20 como símbolo do RPG. De fato o D20 me parece um símbolo importante. Não podemos falar da história do RPG e pular o capítulo Dungeons & Dragons, que popularizou os outros dados possíveis de se fazer com outros sólidos além do cubo. Com isso, não seria o D20 tão somente um símbolo de jogos descendentes dessa tradição? Será que realmente todos os RPGs podem ser representados por essa imagem? Será que RPG pode? Seria necessário um outro texto para discorrer sobre a idéia da regra e conflitos nos jogos de representação, mas mesmo sem isso podemos entender que os jogos de representação necessitam de mecânicas para decidir o que é verdade ou não. Dados aparecem como uma possibilidade de resolução de conflito que se tornou padrão no processo de desenvolvimento dos RPGs. No meio do caminho, apareceram RPGs que não usam dados, como por exemplo Castelo Falkenstein e Amber que acabaram, quase que apenas por conta disso, se tornando cults. Há quem diga, inclusive, que esses RPGs são mais adultos, mais alternativos ou mais interpretativos ou mais "qualquer coisa" só por não usar dados. Isso é apenas mais uma construção em torno de RPG que o RPG de Invenção pode explorar. No fim das contas, eu não sei dizer que ícone representaria bem RPG, mas sei que o D20 é mais obtuso do que deve ser um símbolo com sua redução natural e necessária.

Só para experimentar, segue um RPG de Invenção que olhou um dominó abandonado e pensou "acho que eu posso contar uma história com isso". Obviamente não é só o uso de dominó que o faz ser de Invenção, mas também a apresentação de uma outra dinâmica de jogo de representação.

Domino Gratias

O nome vem da idéia muito difundida de que a origem do nome dominó vem dessa frase em latim, que significa algo como “Graças a Deus”. Ao que parece, essa era uma expressão européia e católica usada batalhas vitoriosas, lá nos tempos medievais.

No jogo, os amigos se reúnem com um dominó e distribuem as peças. Os dominós convencionais têm 28 peças e num máximo de quatro jogadores, sete peças para cada um. Como o objetivo não é uma partida de dominó, pode se ignorar essa regra e distribuir as peças da forma mais uniforme o possível para um número maior de jogadores, digamos que até seis jogadores a diversão é garantida. Se alguns jogadores começarem com menos peças do que outros, não vai importar muito.

Na primeira fase do jogo, o jogador que estiver com o carrilhão (a peça que tem 6/6) a coloca no centro da mesa (ou seja, lá qual for a superfície reta que vocês conseguiram) e começa a contar sua história. Todos no jogo são cavaleiros e tem que criar sua história. São de reinos e culturas diferentes ou pertencem à mesma corte. Pense que você é um guerreiro de armadura, que sobre o seu cavalo já participou de diversas batalhas e recebeu muitas honrarias. Todos são campeões e heróis e estão aqui para contar suas peripécias e aventuras. Domina Gratias é uma mesa de cavaleiros reunidos para contar vantagens aos seus iguais e afirmar sua superioridade.

O cavaleiro que começou a contar a história tem 6 minutos para fazê-lo, contados no relógio. Ao fim desse tempo, o cavaleiro a direita do precursor coloca a próxima peça junto ao carrilhão, seguindo as mesmas regras de um dominó convencional. Digamos que a peça colocada foi a 6/2, esse segundo cavaleiro tem 2 minutos para continuar a história contada pelo precursor, adicionando o seu ponto de vista a ela. Ao fim do tempo, o próximo jogador a direita adiciona a sua peça e terá em minutos - para se apresentar e adicionar seu ponto a história - o outro número da peça que colocou, além daquele usado para se juntar à peça anterior.

Ao fim da primeira rodada que é apenas para apresentações, os jogadores prosseguem com a contação das suas histórias, porém podem ser desafiados para uma contenda a qualquer momento por qualquer outro jogador da mesa. Caso um cavaleiro discorde da versão contada por outro cavaleiro, este pode contradizê-lo publicamente, criando uma constrangedora situação na mesa. O cavaleiro acusado pode querer contemporizar e mudar sua história, mas muitas vezes isso significa uma grave desonra, pois está sendo chamado de mentiroso frente a outros cavaleiros. Numa situação como essa, não há outra solução se não uma contenda. Os cavaleiros vão à justa, provar na ponta da lança e na força dos escudos quem está certo sobre a história.

Ao começar uma contenda, a trilha que estava se formando com as peças é desfeita. Cada cavaleiro envolvido na contenda escolhe três peças ao acaso, pois estarão todas espalhadas com suas faces para baixo. Toda contenda é formada por três justas, os cavaleiros vão um contra o outro com o objetivo de derrubar seu adversário ao chão. A cada justa os dois jogadores escolhem uma peça de suas mãos e as revelam simultaneamente. O número que estiver a esquerda do jogador é o seu escudo e o que ficar a direita é sua lança. O jogador não pode girar a peça depois de mostrá-la, então pense bem na sua escolha. Caso a lança seja maior ou igual ao escudo[2], então o cavaleiro consegui derrubar o outro não chão.


  • Caso os dois cavaleiros consigam derrubar seu adversário é considerado empate.

  • Caso os dois jogadores consigam bloquear o ataque do seu adversário é considerado empate.

  • Caso um jogador consiga bloquear o golpe e acertar o adversário, ele vence uma justa.

  • Ao vencer uma contenda, o cavaleiro deve elevar as mãos aos céus e orar Domino Gratias, em agradecimento à mão de Deus que guiou sua lança.


No fim das três justas, vence quem tiver o maior número de vitórias. Se forem três empates, ninguém sai vencedor. As peças são novamente distribuídas como no início do jogo, caso haja um campeão da contenda, este reinicia a história colocando uma peça a sua escolha na mesa. O derrotado tem que aceitar a versão dos fatos contada pelo vitorioso sem poder desafiá-lo novamente sobre esse assunto. Caso não existam vencedores, continua a história o cavaleiro que tiver o carrilhão e os antigos adversários podem deixar o assunto para lá ou se desafiar novamente no momento oportuno.

Caso os jogadores considerem necessário um "ganhar/perder" para dar graça ao jogo basta dar uma medalhinha para quem ganha uma contenda. Ganha quem terminar a contação - a hora em que a mamãe manda subir para tomar banho e jantar - com mais medalhinhas coloridas. Tudo isso me parece um ótimo uso para um dominó por amigos que gostem de jogos de representação e não estão mais no clima do RPG convencional.

[1] Para saber mais sobre Música de Invenção veja esses links:
http://www.rem.ufpr.br/REMv7/Campos/Violentado.html
http://www.radiomec.com.br/fm/musicainvencao.asp
http://www.radioelektrola.com/mdinv/

[2] Usualmente, nesse tipo de jogo, o empate é da defesa, mas queremos uma percepção mais agressiva do jogo. No fim das contas, dá na mesma. Você pode trocar essa regra se quiser.


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