segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Peleja: Card Game Brasileiro e Gratuito

No catálogo de produtos da Editora Ygarapé encontramos o simpático jogo de cartas Peleja.

Esse jogo me foi apresentado na comunidade de RPG Brasil do orkut que, embora seja rasa na maioria das vezes, tem potencial como palco de boas discussões como essa sobre mitologia islandesa. Tudo está na mão dos usuários, sempre. Eis então que surge uma questão interessante: como é a relação entre Card Games e RPG? É possível entender um a partir do outro ou fazer um a partir do outro?

Fiz uma colaboração rasteira pedindo que a autora explicasse melhor sua idéia. Foi então que dei uma olhada no Card Game da Ygarapé e achei bonita a idéia de um jogo gratuito e democrático, onde o diferencial é a perícia do jogador e não quanto ele tem para "investir" em cartas. Não vou fazer muitos comentários sobre o produto, ele tem regras simples, poucas explicações e algumas até confusas, mas percebe-se que é feito com esmero, com ilustrações exclusivas para cada carta.

Buscando colaborar com a discussão, fiz uma série de comentários sobre o Peleja que reproduzo aqui, uma vez que creio servir o texto para pensar um pouco na relação entre Card Games e RPGs, qual o limite entre eles e como eles podem dialogar.

Primeiramente, não vi motivo ou necessidade de transformar Peleja num RPG "normal". Os símbolos de Peleja são todos do imaginário comum da fantasia medieval: unicórnios, cavaleiros, tesouros mágicos e afins. Com isso, falta um "diferencial" para que peleja se sustente como um jogo de representação. A bem da verdade, não há nada que impeça alguém de fazê-lo, eu apenas questiono qual a motivação de fazer um outro RPG de "fantasia genérica". Porém, devo dizer que eu aceito a motivação "por que sim". A intenção aqui é só levantar a lebre mesmo.

Se não faz sentido transformar Peleja num RPG "tradicional", por que não lembrar que existem diversos formatos para se brincar de RPG além do "tradicional"? Por que não pensar num diferencial para Peleja que seja justamente no formato da brincadeira? Veja que uma das coisas que torna Peleja um "não RPG" é que o jogador tem todo o poder, porém é um "anônimo". Assim como os magos de Magic the Gathering (link em inglês, pois a versão em português não tem fontes citadas), ele é uma figura difusa e praticamente sem personalidade (fora a que se infere pela escolha do baralho), uma vez que todos têm acesso as mesmas cartas.

Falo de uma coisa da qual eu senti muita falta: maior incentivo a criação de cartas próprias. Pelo menos eu não vi um modelo de carta em branco para o jogador imprimir quantas quiser, escrever o próprio baralho e ir jogar com os amigos. A única forma de "criar cartas" que vi é o convite aos leitores para submeter cartas novas que podem ou não virar "cartas oficiais" do sistema.

Imagine um passo além em que o foco das regras se expanda para "como fazer cartas". Se define um máximo de cartas e uma regra de distribuição como: 4X cartas "comuns" (baixo poder e grande quantidade), 2X cartas "incomuns" (médio poder e média quantidade) e X cartas "raras" de Campeões (muito poder e raras). Em seguida cria-se uma regra de distribuição de pontos para cartas como essa: baixo poder tem 4 pontos, médio poder tem 8 pontos e muito poder tem 16 pontos. No próximo passo, uma regra de distribuição de pontos como: atributos custam 2 pontos, detalhes de personagem custam 1 ponto apenas e uma lista com poderes e seus custos.

Dessa forma, para fazer um arqueiro comum eu diria que ele é um Cavaleiro* nível 1 e tem +2 contra criaturas voadoras. Gastei os 4 pontos de uma carta comum e, definido qual é o X, eu posso ter até 4X arqueiros como esses em meu baralho. Ou seja, ou eu tenho todas as minhas cartas comuns iguais ou combino diversos tipos de cartas de 4 pontos até que somem 4X.

Para um dos meus campeões, posso fazer um Valquíria que, com 16 pontos, eu defino que tem 3 de Dama* (6 pontos), 3 de Cavaleiro* (6 pontos), Vôa (Vamos supor que custe uns 2 pontos) e tem +2 contra inimigos que não voam. Aqui eu já diria que as "raras" devem ser sempre únicas e cada baralho têm X cartas raras. Ser da Realeza* é algo que seria comprado com um número de pontos também e assim por diante.

Sobre o X, pense na velocidade dos jogos. Um jogo onde X seja cinco representa um baralho de 5 cartas raras, 10 incomuns e 25 comuns, somando 40 cartas no baralho. Jogos com X maior ou menor serão jogos mais ou menos rápidos. Com X igual a sete, teríamos 56 cartas, o que é próximo do que se vê usualmente em Card Games. Cabe aos jogadores escolher o tipo de jogo: uma longa luta ou uma "rapidinha gostosa".

Ficando assim, já há uma individualidade marcante em cada baralho e isso começaria a aproximar Peleja de um jogo de RPG. Um próximo passo seria a criação de uma ficha de "Monarca". Este seria o personagem do jogador e em sua ficha teria, além de uma história do seu reino, algumas características do Monarca com efeito de jogo, como por exemplo:

Misericordioso - devido a sua bondade, toda vez que que o Monarca ganha uma peleja ele tira alguém do Calabouço*.

Senhor dos Pântanos: Uma vez que o monarca comanda uma área imunda de charcos, Damas* que o desafiem tem -1 em seu resultado final.

Repare que, nesse formato, o jogo já é uma "contação de histórias estratégicas" e já difere um pouco dos Card Games mais tradicionais. O pulo do gato está em criar "regras para se fazer e não só para jogar" de forma a incentivar a individualidade criativa dos jogadores, que poderão criar diversos baralhos diferentes com temas distintos. Cabe aqui falar que isso equivale a ensinar a pescar e não dar o peixe, o que é ainda mais democrático do que cartas gratuitas. Isto também é mais livre do que se prender a um grupo de cartas predeterminadas. Fazer o baralho seria uma diversão a parte, assim como é "fazer ficha".

No fim das contas, essa individualidade acabaria incentivando uma interpretação lúdica de papeis. Uma vez que o jogo não é limitado à duplas, um grande grupo pode formar diferentes alianças de acordo com afinidades entre os Monarcas, conversar diplomaticamente e representar nobres em jogos de guerra. Todos devem lembrar que isso ocorre em partidas de WAR, por exemplo. Garantir a maior individualidade na criação dos personagens tornaria isso mais natural e divertido. Você não seria um general qualquer, mas sim alguém com nome, sobrenome e características marcantes.

Com evoluções nesse sentido, o jogo se distanciaria de um mero Card Game para um Card Game que ajuda a contar histórias e que, naturalmente, incita ações de representação dos personagens criados pelos jogadores. Uma forma diferente de jogar um jogo de representação.

Os termos marcados com * fazem parte das regras do jogo Peleja, estas, assim como a marca Peleja são de propriedade intelectual dos criadores do jogo. Maiores informações aqui.


Creative Commons License


Esta obra está licenciada sob uma
Licença Creative Commons.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Seres do Inferno: a melhor piada do RPG brasileiro (sic)

Gostaria de parabenizar a Cozinha do Inferno pela sua criação máxima: Seres do Inferno. Pena que poucos são os capazes de apreciar o sutil humor por de trás dessa criação de aparente mau gosto. Os grandes pensadores da cozinha conseguiram, com maestria, sintetizar tudo que o RPG brasileiro (sic) é: pretensão sem conteúdo. Se houvesse um ENnie nacional, eu, sem sombra de dúvidas, indicaria e votaria nesse "livro" (as aspas se justificam mais abaixo) para algum prêmio. Se nas categorias desse ENnie tupiniquim houvesse uma de humor, a medalha de ouro ia ser barbada.

Esse produto vem a ocupar uma lacuna gigantesca nas prateleiras das livrarias: precisamos de mais e mais RPGs de demonologia. O público é cativo, muito inteligente e nunca vai deixar essa oportunidade passar. Golpe de mestre. Qual garoto não vai querer ter esse livro em sua estante? Lado a lado com o Livro de São Cipriano - o de capa preta, claro! -, livros de bruxaria lançados pela Ediouro nos anos 80 e a coleção completa de Cavaleiros do Zodíaco.

De todo o material, eu separo as maiores pistas para identificar a piada do século:

- As ilustrações feitas para parecerem desenhos em folhas de caderno de um aluno entediado. Desses que se sentem deslocados numa turma de pessoas "comuns". Na visão dele, é claro. Graças as maravilhas da computação gráfica conseguiram tirar as linhas da pauta azulada por de trás dos desenhos;

- A cadeia quadrupla do DNA demoníacos, chamados cromossomos W, X, Y e Z;

- A visão "Taoista" do universo é um deleite a parte. Como o primeiro ensinamento do Taoismo é que se você entende o Tao então você não entende o Tao (pois o Tao é tudo que é o Tao e tudo que não é o Tao também), Taoismo se tornou uma espécie de "arte". Quando você não sabe o que é uma coisa ou ela é arte ou é Taoismo.

Bônus para a pesquisa histórica, essencial para os RPGs de nível. Afinal, qualquer um pode ter uma idéia, mas apenas os realmente inteligentes param para desdobrá-la em diferentes conspirações ao longo da história da humanidade. A White-Wolf fez escola!

Assim como Charles Manson fez com o Paul Mccartney, gostaria de mandar um monte de telegramas para a Cozinha do Inferno dizendo "eu entendi". Dessa forma, creio que os tranqüilizaria sobre o medo de ninguém ter pegado o gancho, a graça e a leveza da piada ácida (como o sangue de Gorgónea) que está enganando multidões de jogadores de RPG. Como telegrama é coisa do passado, deixo aqui o meu "eu entendi" para os gênios da cozinha. Podem acreditar que alguém está rindo junto com vocês!

Ainda assim, a melhor parte é o mito gerado em torno de Seres do Inferno. Até agora ninguém viu, ninguém sabe, mas ele existe. Lendas do nível da mulher de branco começam a cercar a publicação. Não chegou a nenhuma loja que eu tenha conhecimento, mas muitos juram que já tiveram o livro na mão. Um primo, lá de João Pessoa, diz que um amigo dele viu o livro e desapareceu em seguida. Sendo encontrado semanas depois sem roupas e com ardência nas partes baixas. Um grande mistério.

Se você teve acesso a essa pérola do RPG brasileiro (sic), dê o seu testemunho. Com ou sem o detalhe das partes baixas.

domingo, 25 de março de 2007

Mutantes e Malfeitores

Os editores da Jambô estão trabalhando para o lançamento de Mutants & Masterminds da Green Ronin no segundo semestre desse ano. A nova veio no momento em que os membros da comunidade do orkut discutiam sobre a lista de lançamentos do primeiro semestre e mostravam suas preferências para as novas publicações.

Deixando a discussão sobre D20 system e a própria qualidade do livro de lado, gostaria de destacar a ótima tradução do título. O Brasil não chega a ter uma tradição de ótimas adaptações, pois se alternam sacadas geniais e tiradas infames que só servem para dar a impressão de que bom mesmo é comprar o livro importado. Culpa total de tradutores que parecem não ter o necessário conhecimento da língua portuguesa e limitada criatividade na hora de passar para o nosso idioma palavras e expressões do inglês. Como ressaltei antes, existem as traduções que salvam o time e parece que Mutantes e Malfeitores há de ser uma.

Realmente havia o medo de vermos nas prateleiras um livro chamado Mutantes & Mestres Mentais, que em nada me surpreenderia na literalidade burra da tradução. Surpresa boa foi ver um título melhor do que o original. O Malfeitor aparece agora com uma função do bem: estabelecer um contraponto negativo mais claro, sem deixar de ser complementar. Seguindo a tradição dos títulos "filhos" de Dungeons & Dragons (ou Tunnels & Trolls, para os antiquários do RPG).

No idioma inglês existe o hábito – com legitima permissão lingüística – de se criar palavras a partir da aglutinação, como no caso de mastermind. Quando diante de uma palavra assim, existem algumas opções como mestre da mente, mestre mental, ou mente criminosa (como o Lex Luthor nos filmes do Super-homem). No caso se optou por uma outra via: ignorar o significado da palavra e substituí-la por outra de significado diferente, mas entendendo que acima das palavras existem os conceitos e as idéias.

Fica a prova então de que o idioma português tem uma variedade de termos e palavras que supera o inglês, além da diversidade de construções possíveis da língua. Com um pouco de inteligência e sagacidade é possível fazer traduções de qualidade para livros de RPG. Se o mercado literário consegue, onde está o problema? Basta que tradutores de verdade, com a formação literária correta, comecem a atuar.

Torço para que Mutantes e Malfeitores siga em sua tradução com a mesma elegância do título. Desta forma, além de ter um novo RPG de super-heróis em português, vamos ter um livro bom de ler.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Inicia-se aqui as atividades do Observatório do RPG

O blog coletivo, disposto a analisar os aspectos das publicações, mesas e jogadores de RPG em geral, inicia suas atividades abrindo espaço para críticas, elogios e análises do mercado e do que anda acontecendo de interessante no mundo da fantasia.