sexta-feira, 10 de julho de 2009

Palito de dentes mentolado e a crise no mercado de RPG

Quando vejo a profusão do termo "crise" aplicado ao mercado de RPG, percebo que existe um abismo entre o que se quer dizer e o que realmente existe para ser dito. Acredito que os leitores já devam ter visto inúmeros artigos e comentários sobre a crise, quão melhor se leram sobre outras crises, crises financeiras, crises de mercado e não apenas sobre a "crise no mercado de RPG".

Desta forma, todo mundo já deve estar careca de saber o que crise significa em sua etimologia: Krisis, em grego significa ruptura, separação e no contexto em que se aplicava, podia ser perfeitamente entendido como "momento de reflexão". Tem ainda o discurso "auto-ajuda corporativa" que sempre lembra que a palavra usada para crise, em chinês, é a mesma usada para oportunidade, mas esse não é o caso. Não acredito em "auto-ajuda corporativa" de monges e executivos. Qual é o nível desse monge no fim das contas? E o executivo? Que nem classe básica é.

Voltemos então à ruptura. Globalmente, a crise do subprime expôs uma crise de crédito generalizada e serve de base reflexiva para o que já se projeta como um "novo capitalismo" mais sustentável e menos especulativo. O que será amanhã é diferente do que era ontem e isso é fruto de uma crise.

Evidentemente, numa crise de crédito, o Mercado (com letra maiúscula) sofre achatamento. Parte do montante de dinheiro circulante se descobre composto de dívidas podres repassadas continuamente e, de uma hora para outra, o rei está nu. Frente a isso, ou as empresas mudam ou morrem. Sobrevivem aquelas que repensam seus modelos e produtos a fim de se alinhar com o novo momento econômico. Perder dinheiro não sinônimo de fechamento das portas, o bom empresário sabe ganhar dinheiro e sabe como perdê-lo da melhor forma possível também. Igualmente evidente é: se o seu modelo de negócios se baseava em maior medida em capital de risco, com investimentos gordos de grupos que visam retorno de longo prazo, melhor sorte da próxima vez. Pergunto: algum investimento em RPG era baseado em capital especulativo ou investimento de risco? Não.

Ontem no almoço, vi um produto que elegi símbolo de vitória em meio à crise. Essa eleição é puramente arbitrária e infundada, a faço com os poderes a mim concedidos por ser blogueiro. O produto em questão é um fantástico palito de dentes com a ponta mentolada, que garante o frescor da sua boca enquanto você tira o fiapo de picanha que emperrou na sua obturação. O palito mentolado está alinhado com a filosofia Starbucks de negócios: transformar pequenas coisas em grandes experiências. Num mercado pequeno, commodity (pouco valor agregado ao produto fora o seu preço final) e possivelmente de baixa escalabilidade (não sou especialista em palitos de dentes, mas desconfio que ninguém fique milionário com eles) o produto consegue se reposicionar frente a sua concorrência oferecendo uma versão Premium para clientes diferenciados. No fim, criar uma nova experiência para os seus produtos ainda é um bom caminho.

Quando vejo certos comentários acerca da crise no mercado de RPG, parece que se fala de crise como uma crise sentimental, de casamento ou namoro, aquelas crises tristes que te paralisam, deprimem e te transformam numa máquina de chorar em frente a TV enquanto assiste o episódio de Friends onde o Ross e a Rachel finalmente ficam juntos. Crise não é e nunca foi sinônimo de imobilidade. Crise nunca deixou ninguém de mãos atadas e nem nunca comeu o cérebro de ninguém. Zumbis fazem isso, crises não.

Dos poucos empreendimentos de RPG no Brasil, um número ainda menor deles se reentendeu em meio à crise. Conto nos dedos de uma mão as empresas que buscaram licenças mais baratas, licenças que permitam mudanças no acabamento do produto visando um preço final menor e que racionalizaram seu calendário de lançamentos. Poucas são também as que souberam lançar seus próprios produtos. Menor ainda é o número de empresas que estão buscando criar para os seus produtos uma experiência diferenciada. No mercado internacional de RPG já vemos iniciativas tanto na experiência da compra (como as impressões sob demanda) quanto experiências de uso (como o D&D Insider), mas nada realmente disruptivo ou inovador.

Termino com a impressão de que as empresas que trabalham com RPG estão despreparadas para uma vivência mais arrojada e criativa no mercado. Estando ele em crise ou não. Na última RPGCon, destaco um apontamento feito pelo representante da Devir, que falou sobre investimentos numa aproximação diferenciada com o seu público através de oficinas. Nada muito diferente do que foi publicado no Paragons sobre publicidade em RPG.

Concordo com tudo isso, mas ainda acho que falta mais investimento na relação entre o consumidor e o produto e não apenas entre o consumidor e a empresa. As empresas que trabalham com RPG deveriam ser as maiores interessadas no fomento de clubes de jogos, eventos e outros canais de intimidade com o seu público, isso é indiscutível. Mas questiono até onde o próprio produto tem sido usado para criar esse canal de experiência. A compra de um livro de RPG deveria representar a entrada num espaço exclusivo, fantástico, que possibilitasse vivências diferentes e estreitasse o relacionamento entre a marca e o comprador.

Isso não deveria ser difícil quando falamos de RPG. Jogos, e RPG entre eles, são experiências que viram produtos. Será que o caminho inverso é mesmo tão difícil de conceber?

quinta-feira, 9 de julho de 2009

"10 lições de negócios que aprendi com o D&D"

O texto original é de Esther Schindler e me foi recomendado por um amigo. Adoro quando as pessoas lembram, de forma muito sadia, que jogo RPG e me recomendam material. No texto, Esther lista 10 coisas que ela aprendeu com RPG que servem para pensar o seu ambiente de trabalho, empreendedorismo e seu dia-a-dia como um todo. O texto original pode ser lido aqui. Listarei os tópicos e farei meus próprios comentários.

1 - Alimente o Mestre de Jogo
Uma fantasia comum no ambiente corporativo é a de que "gerente não trabalha". Cargos de controle e supervisão normalmente são vistos com desprezo pelas pessoas que trabalham direto na produção. Isso não é verdade. Gerenciar uma equipe, seus conflitos, suas atividades, os resultados de um projeto e coisas assim dão bastante trabalho. Enquanto você está preocupado apenas com os aspectos que dizem respeito ao seu personagem (ou trabalho), o Mestre (ou o gerente) tem que manter uma visão total do projeto, o que envolve os seus problemas, os problemas do restante da equipe, os problemas dos clientes (os monstros) e os problemas dos donos da empresa (as regras do jogo) que cobram dele o desempenho do projeto. Seja bom com o seu mestre, se esforce para poupar trabalho para ele e você terá um grande aliado.

2 - Uma magia bem usada é melhor do que um livro cheio de feitiços
Seja criativo com os seus recursos. A experiência de vida e de jogo mostra que um cantrip bem usado pode enganar um exército de Orcs que nem suas oito bolas de fogo poderiam dar conta.

3 - É melhor enganar um Ork do que lutar com ele
A filosofia do "matar e pilhar" prega que RPGs se resumam a "Encontre o Monstro, Mate-o, Pegue o seu tesouro". Poucos levam em conta o quanto isso é arriscado para o personagem, afinal, ninguém está livre de dois ou três críticos confirmados seguidos. Na sua carreira, lembre-se que nem todo o conflito se resolve com um embate direto. Você continua a ganhar XP por contornar um problema com sabedoria.

4 - Eu sou o Mestre, eu não estou aqui
No RPG, o mestre representa todo o ambiente em volta do seu personagem. Assim como o fogo não vai responder se você perguntá-lo "queimar-me-ei se tocar-te?", o mestre não vai responder a perguntas feitas de qualquer forma. Ao interagir com um ambiente (seja uma floresta encantada ou o seu escritório) aprenda a fazer perguntas e, principalmente, aprenda a fazer as perguntas corretas! Presumir as coisas e tomar ações a partir de pura presunção é o primeiro passo para o EPIC FAIL.

5 - As melhores aventuras requerem variedade de habilidades do grupo
Essa é realmente simples e acho que é a melhor lição que o RPG pode passar. A ponta do iceberg desse tópico são as polêmicas sobre "equilíbrio do grupo" e os tais roles da Quarta Edição do D&D. No âmago dessa questão está a necessidade de um grupo que se complemente, seja em termos de capacidades, personalidades ou o que for. Times com membros diversificados tendem a sobreviver melhor às surpresas da aventura. Imaginando um grupo (de trabalho ou de jogo) como um organismo, podemos pensar na idéia da sobrevivência do melhor adaptado. Ser bem adaptado significa poder dar respostas para um conjunto maior de problemas.

6 - Simplicidade e coerência interna é mais divertido que o imprevisível
Essa é para a galera de processos. Se você trabalha usando uma determinada metodologia você tem chance de estar errado algumas vezes. Se você não usa metodologia alguma tem chance de estar errado SEMPRE. Isso serve tanto para jogos quanto jogadores. Se os seus jogadores não se preocupam com a lógica de ação dos seus personagens, algo até que poderíamos chamar de "alma", o mestre e os demais jogadores terão dificuldade de interagir com o personagem. Da mesma forma, se os personagens não conseguem apreender de forma crível as lógicas do mundo em que vivem, será impossível para eles aprender com os seus erros e tomar decisões mais assertivas.

7 - Você cria suas próprias armadilhas
Sendo rasteiro, esse tópico parece contrariar o tópico anterior, mas na verdade é um exercício zen com uma pitada de bom senso. Se você é incapaz de aprender com os seus próprios erros, vai acabar sofrendo com eles cada vez mais. Ser "internamente coerente" não significa nunca mudar de atitude ou nunca mudar de método, pelo contrário, na "alma" do seu personagem vive a forma como ele aprende e como ele lida com os próprios erros. Nesse ponto, e eu até me emociono ao falar disso, RPG toca na alquimia. O processo onde chumbo é transformado em ouro reflete o próprio refinamento do alquimista. Ver o seu personagem aprendendo, evoluindo e se tornando mais sábio sobre si e sobre o mundo também representa aprendizado para você.

8 - A recompensa nem sempre é o que se espera
Este tópico está intimamente ligado ao tópico 2: saiba explorar o máximo dos seus recursos e seja criativo ao usá-los. Aquilo que pode parecer uma grande injustiça da vida pode ser uma grande oportunidade. Muito do que se recebe hoje não tem retorno imediato, mas pode ser cuidado e cultivado para um grande ganho futuro. Lembre-se das botas élficas de Farador.

9 - Você não tem que ler todos os livros, mas uma descrição breve do monstro a ser enfrentado é melhor do que gastar quilos de magia num demônio que é imune
Eu entendi o que ela quis dizer e concordo, só não concordo com a forma como ela relacionou isso com RPG. Nas mesas de jogo eu acho bacana ser pego de surpresa. Isso, inclusive, é um tipo de aprendizado. Após enfrentar uma criatura e descobrir suas imunidades e vantagens, você já se prepara melhor para um perigo semelhante. No tópico em questão o foco é: preparação é importante. É impossível você apreender tudo sobre determinado assunto. Há o risco de se gastar tanto tempo e esforço com a preparação que o problema deixa de existir ou se torna insolúvel. Porém, ir para cima do monstro sem ao menos deixar o bardo usar o "saber um pouco de tudo" ou outro personagem rolar "obter informação" é burrice. Na hora H você vai descobrir que só você e o seu grupo não sabiam que o bicho fica mais forte com uma descarga elétrica, ao passo que a cidade toda já viu uns dois grupos de aventureiros morrerem da mesma forma.

10 - Ao escolher uma arma, lembre-se: maior não é melhor
Aqui ficou claro que a autora queria fechar bonito com 10 itens e já estava sem paciência de elucidar muito a questão. Na única sentença explicativa que ela deixa, fica a impressão de que chamar a atenção é ruim. Ok, isso pode ser correto muitas vezes. Principalmente quando tudo que você tem para se fiar é, na verdade, uma grande e colorida muleta. A chance de você ser descoberto como uma grande fraude é muito grande. Chame a atenção pelas coisas que você SABE fazer e não pela sua ferramenta last generation. Saiba dimensionar o que você precisa para realizar um bom trabalho e evite exageros, eles atrapalham mais do que ajudam.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Um bom fim de semana para o RPG Brasileiro

Acho que já falei aqui que brinco com RPG há mais tempo do que consigo contar. Algo como uma quase maioridade (18 anos) deve ser. Nesse longo período de atenção, há muito não via um momento em que RPG ganhasse algum tipo de acontecimento positivo.

Há muitos anos, grandes editoras se interessaram pela idéia e experimentaram esse empreendimento. Havia um grande evento internacional e diversos eventos estaduais de bom tamanho. Havia mais de uma revista especializada e tantas outras, inclusive o próprio jornalão globônico, dedicavam algum espaço aos jogos de representação e interpretação. Tinha um Dungeons & Dragons bem carismático sorrindo em várias bancas de jornal.

O tempo passou, RPG se consolidou como uma cultura de nicho tão específica e estreita quanto plastimodelismo ou pintura em porcelana. Dinheiro circula, mas não o suficiente para merecer presença no rol da fama da indústria cultural. Quando nerd ainda não era moda, o jogador de RPG era um tipo de nerd dos nerds, ou ainda, um atestado da verdadeira nerditude. Hoje, que nerd é qualquer cara com grana para se entupir de gadgets e memorábilias, o RPG, que nunca teve muito o que ostentar, passa desapercebido.

O Nerd que a modernidade deseja é uma força de produção incansável, um "viciado em trabalho" que reverte rapidamente todos os seus ganhos em coisas que não precisa. Fruto de uma lógica de mercado que não consegue emplacar um filme sem que este seja baseado num quadrinho, desenho animado ou qualquer outra coisa que a cultura nerd tenha eleito para adoração. Inclusive outros filmes revisitados e continuados. Autofagia fílmica. Para que RPG chegue nesse neo-nerd vai ser necessário um filme de Forgotten Realms, ou um gadget estilo Kindle específico para livros de RPG, que vem com softwares de rolamento de dados, planejamento de campanha e afins. Enquanto isso não acontece, RPG curte sua vida morna de parceiro do Xadrez no coração dos jovens.

Para dar ainda mais ares de drama para a brincadeira, RPG ainda é associado a um punhado de crimes mal explicados, mal investigados e mal cobertos pela mídia tradicional com sua vontade latejante de criar um mundo ainda pior para vivermos. O que já era pequeno, perde um pedaço. Seja nas iniciativas que morrem na praia, seja nas pessoas que perdem acesso ao jogo, seja nos produtos que encarecem e perdem retorno por caírem no vigilantismo implacável da sociedade dos receios.

Fim de semana passado, uma dessas histórias se encerrou. Garotos que eram acusados de matar uma garota por conta do RPG foram absolvidos por falta de evidências. Os títulos da notícia na mídia tradicional continuam falando em crime do RPG apesar de tudo. Paciência. Estamos aí mandando brasa.

Falem o que for. Temam o que quiserem temer. Entre tanta coisa fora de compasso que vemos no dia-a-dia, acharem que eu gosto de uma coisa errada é o de menos. Para jogar uma pá de cal em qualquer esperança de minguar uma subcultura que mal se percebe, também neste último fim de semana, tivemos a primeira RPGCon.

Não vou explicar a RPGCon ou o contexto que alavancou sua criação. Aqui apenas atesto seu sucesso em todos os níveis. Daqui para frente, o cenário que se monta é bom. Tudo aponta para dois grandes eventos nacionais por ano, fora possíveis edições em outros estados. Pequenos encontros como o dia D e o dia internacional do D&D já começam a ganhar ares de tradição mesmo não evoluindo muito. Temos só uma revista de RPG no mercado, mas junto com ela temos um manancial de blogs produzindo conteúdo por todos os poros. As grandes editoras não se interessam mais por esse nicho, mas temos uma editora bem dimensionada para atender esse mercado e o "gigante ferido" que promete voltar com força total.

Falou-se inclusive que nunca se jogou tanto RPG nesse país. Confio nos números embora não os perceba. Para mim, a cereja do bolo seria um bum de produção independente de qualidade. Este não chegou ainda, mas estou na torcida. Na verdade, o que eu quero mesmo, é não precisar explicar ou justificar o RPG toda vez que comento que curto. Quero o mesmo tipo de aceitação indiferente que recebo quando digo que gosto de fantoches.